Desde o início na Reconter, nós
procuramos treinar e ensinar o nosso pessoal. Quando cheguei, a Reconter quase
não fazia reconhecimento, e atuava mais como “Força Inimiga” da DivAnf nos
exercícios em Itaoca. Atuava como Infantaria defendendo o terreno. Eles
adoravam porque ganhavam muitas diárias (chegavam antes da ForDbq, e partiam
depois). Não havia nenhum exercício externo. Por outro lado, a Reconter atraia
o ódio dos BtlInf, o que não era confortável. Com algum sofrimento (é muito
difícil mexer no bolso, principalmente com nossos baixos soldos) consegui mudar
o quadro, e impor exercícios externos para a Reconter. Não conhecia nada de
Operações de Reconhecimento, e com a ajuda do brilhante Imediato Comte Cosme, -
segundo lugar na sua turma da Escola Naval, salvo engano-, começamos a traduzir
os manuais que batiam em nossas mãos. E descobrimos que fora feita uma tradução
muito simplista destas operações; creio que julgassem não estarmos à altura da
sua execução. O Comte Cosme fez uma tradução exata dos manuais, e começamos a
tentar entendê-los, e a tentar praticá-los; iniciamos um exercício noturno toda
semana. As equipes Recon são comandadas, na grande maioria das vezes, por Cabos
e Sargentos. Os nossos Oficiais eram novatos (“quatis rabudos”). Assim, demos
ênfase ao treinamento e à instrução dos nossos líderes. Exigimos que os Cabos
assumissem o comando das suas equipes, e que os Sargentos cobrassem deles todas
as verificações (de presença, de armamento e munição, de material, etc). E que
os Tenentes recebessem as notificações dos Sargentos-Guia dos Pelotões (isto
daria mais força, comprometimento, e um moral mais elevado para os nossos
líderes. E procuramos ficar mais juntos deles (até mesmo dormindo na mesma
barraca junto com os Suboficiais e Sargentos). O melhor método de ensino é o de
aprender com os erros. Assim pagávamos a missão e praticávamos muita sabotagem
(avariávamos os motores de popa, não dávamos os códigos de rádio, não dávamos
hora para o encerramento, etc.). E por ocasião da crítica dos exercícios, estes
fatos eram comentados (para a tristeza e para o aborrecimento dos novatos).
Procuramos realizar no mínimo um exercício externo, com duração de uma semana,
em áreas similares aquelas em que atuaríamos (montanha, selva, mar, etc).
Descobrimos uma área em Mangaratiba que era um verdadeiro campo de
reconhecimento, possibilitando diversos tipos de atuação (pontes de diversos
materiais, taludes, montagem de PVs, dificuldade de comunicações, uma marcha
violenta por diversos municípios através montanha e clima frio, operações com
aeronaves, natação extrema (cerca de 1 Km) armado e equipado, natação
utilitária, lançamento de carga aérea, pistas de primeiros socorros – era
exigido em todos os exercícios, assim como as pistas de comunicações, orientação
no terreno, e de acuidade auditiva, visual, ótica e tátil (AVOIT). Uma vez por
ano fazíamos exercício, com duração de uma semana, na Base Aeronaval de São
Pedro D`Aldeia, explorando em toda plenitude a operação com aeronaves;
dirigíamos as aeronaves na aproximação final (os Pilotos teriam que confiar no
nosso trabalho), inserção de equipes Recon ( a aeronave fazia pousos falsos
para enganar a observação inimiga, e possibilitar o sucesso da missão,
lançamento de carga aérea, métodos de retirada de equipes Recon em terra e no
mar (rapel, Mcguiver ou penca, demarcação de heliponto diurna e noturna para
evitar a observação pelo inimigo, etc, etc. E tínhamos um exercício anual em
Itatiaia para operações de Montanha e de Clima Frio. Era violento: escaladas,
marchas entre municípios, ocupação de PV diurna e noturna ao relento, resgate
de feridos, carga de material pesado em montanha, e as sempre presentes pistas
de primeiros socorros, orientação, comunicações e AVOIT. Num dos exercícios
quase perdemos um Pelotão de Infantaria do Batalhão Humaitá que estava
pernoitando no Abrigo Rebouças e foi salvo pelos integrantes de um dos nossos
Pelotões que montava um PV do lado de fora para aclimatação ao clima frio; os
Infantes tocaram fogo em tudo aquilo que eles conseguiram de madeira, por que
não estavam agüentando o frio,e quase morreram sufocados pelo CO2. Noutro
exercício tivemos que montar um resgate dificílimo para retirar um soldado de
um Batalhão de Infantaria de um dos picos das Agulhas Negras (este soldado, a
bordo da aeronave teve paradas respiratórias e cardíacas, sendo salvo pela
exata formação do nosso enfermeiro). Assim, ao final de um período de três
anos, conseguimos ter, em todos os níveis, a melhor Companhia da DivAnf. Teve
uma manobra em Mangaratiba em que o Piloto da aeronave, que veio para o
exercício, foi o próprio Comandante do Esquadrão (em algumas manobras aparecia
o Imediato do Esquadrão, ou alguma autoridade mais elevada). Num dos eventos, a
inserção de uma equipe de reconhecimento, eu lhe disse que o comandante era um
cabo, e que caberia a ele fazer um breefing da missão, e perguntei-lhe se ele
faria alguma objeção, recebendo o seu afirmativo. O Cabo, se não me engano, era
um do Paiol de Material, não diretamente empenhado em operações de reconhecimento
(CB Sales? A memória já me falha!). Terminado o breefing, o Comandante do
Esquadrão pediu a palavra, e disse que foi um dos melhores breefings de que ele
já participara, e melhor do que os breefings feitos por muitos Oficiais. Então
eu senti que o comando da Reconter (Imediato, Operações, Pessoal, Comunicações,
material, etc) havia feito a opção correta, e que estávamos no caminho certo. Tivemos
uma grande preocupação com o nosso pessoal. Como éramos uma Unidade de Elite,
eu podia requisitar e escolher aqueles que seriam Guerreiros Recon. Tinha toda
a Divisão Anfíbia ao nosso dispor com o aval do Almirante. Como o nosso grupo
era pequeno face ao efetivo dos Batalhões, pedíamos humildade o tempo todo, e
para que fossem evitadas brincadeiras de mal gosto e exibições indevidas para
com os elementos de fora da nossa Companhia. E não tínhamos o mínimo de
tolerância com nenhuma infração disciplinar, mau comportamento, atitudes
suspeitas, vícios, etc. Tivemos a denúncia de um Cabo que afastou do nosso
convívio um Primeiro Sargento (após apuração do Imediato). Dizíamos que a porta
da rua estava aberta para aqueles que não atuassem dentro do nosso espírito; ou
sairiam de livre vontade (sem nenhuma punição, lançamento, ou informação
negativa, nada; apenas sairiam porque não estavam dentro do padrão Recon), ou
seriam convidados a sair, inclusive sendo dada a chance de escolher para onde
gostariam de servir. Nós acreditávamos que só pelo fato de terem escolhido a
Reconter, e passado pela nossa violenta seleção, já era motivo de orgulho para
nós, mas que eles não estavam dentro do padrão exigido. Outra grande preocupação foi a enviarmos o
nosso pessoal para cursos de Comanf, Operações na Selva, Montanhismo,
Manutenção de Motores de Popa, etc, com enorme sacrifício para os que ficavam
porque o nosso efetivo era muito pequeno, mas não abrimos mão de qualificar o
nosso pessoal. Como as nossas equipes não podiam contar com elementos de Saúde
e de Comunicações, realizamos exercícios contínuos destas modalidades. Buscávamos
reduzir o estresse do nosso pessoal ao máximo. Criamos uma caixinha na
Companhia (fato proibido em nossas OMs) a pedido de todos e com a concordância
de todos, sob a minha responsabilidade, e controle do Imediato e dos nossos
Encarregados de Pessoal e do Sargenteante; era feita uma diferenciação para
Oficiais, Sargentos e Cabos e Soldados esta caixinha era usada para algum
pequeno empréstimo, e era encerrada no fim de cada ano com um grande churrasco
para as nossas famílias e alguns convidados especiais. Todo exercício era
encerrado com um grande churrasco, algumas vezes com o apoio do Batalhão (eram
realizados quatro ou cinco grandes exercícios fora da sede do Rio de Janeiro, o
que implicava em enorme dificuldade logística), nas outras vezes com o emprego de
uma grande química. Em quase todos os exercícios, principalmente com o apoio do
Imediato Comte Vargas, nós elaborávamos o cardápio em que foram introduzidas
grandes melhorias no desjejum e nas refeições; também, trabalhávamos em
condições de extremo desgaste, em que tínhamos quase sempre de fornecer
comprimidos de relaxante muscular, e massagens. Em Mangaratiba facilitávamos
uma licença noturna para o nosso pessoal. No Parque Nacional de Itatiaia a
noite era livre para o pessoal que permanecia no PC (infelizmente eram poucos,
e não havia nada para passeios ou diversão). E conseguimos fincar uma bandeira
do nosso PC durante a Operação Dragão, junto com os PCs dos BtlInf! Comandei a
Reconter de Janeiro de 1981 (por Portaria do Comandante –Geral do CFN) até 4 de
março de 1986, quando assumi a função de Imediato do Batalhão ( e mesmo como
Imediato ainda participei de um reconhecimento para uma Operação Dragão ( junto
com o CB Marinho e o nosso Monstro). Nos cinco anos em que estive à frente da
Reconter, eu tive o privilégio de ter poucas mudanças no meu pessoal. Mas,
ainda assim, nós não atingimos um patamar eficiente de atuação. Ainda havia
muita coisa para aprender.Falta um curso de Operações de Reconhecimento, a ser
realizado no CIASC, dirigido por pessoal cursado no exterior. Faltam
equipamentos, armamento, uniformes especiais, rações especiais; atuávamos em
clima frio sem nenhum uniforme adequado e apropriado. Equipamentos de
Comunicações inadequados, guarnecendo duas redes (para que?), com apenas quatro
vigilantes carregando dois pesados aparelhos de rádio- comunicações com quatro
pesadas baterias, mais quatro rações de combate por homem ( 4Kg!!). E ainda era
exigido carregar um grosso plano de comunicações, com códigos e senhas sendo
alterados de hora em hora. E atuávamos contra um inimigo que possuía os mesmos
equipamentos, códigos e idioma. Eu quebrei este ciclo usando um mapa para cada
equipe Recon, diferente para cada patrulha, onde eu alterava as coordenadas
(sempre posicionando as coordenadas no mar), e modificando a identificação das
patrulhas (que agora eram Recon02,03, etc, e o meu PC sempre era Recon01).
Assim todas as mensagens saiam em linguagem clara (a minha posição é...). E
nenhum plano de comunicações era carregado. Encerrando esta Bem amigos, a Reconter foi a unidade
(Sub-Unidade?) em que eu passei o maior tempo da minha vida de Fuzileiro Naval
(como Imediato e Comandante – cerca de cinco anos- ainda vivi muito do espírito
do pessoal Recon, e ao final do meu comando e da minha vida na MB, pude deixar
a Reconter super equipada (várias EDPns nas caixas, GPS, etc.), com grande
conforto para todo o seu pessoal (ar condicionado em todas as dependências, bem
como equipamentos de som,TV e lazer), com um quartel novo, bem dimensionado,
com um camarote e câmara improvisados para o Comandante, com um Paiol de
Material bem construído, com lages e local de dormida para o Paioleiro, com um
amplo estacionamento para todos ( que serviria como heliponto e local de
exercício com aeronaves), e com uma praia só para ela e com fácil acesso. Tudo
isto foi construído pelo pessoal da Reconter (sob o comando do brilhante Comte
José Jorge), com muito sacrifício e dor, e com um risco só meu (o meu Comando
não me deu garantia para as transformações que fizemos com a verba oriunda do
EB por ocasião de uma manobra nos morros cariocas). Foi muito complicado devido
ao curto espaço de tempo para a comprovação desta verba, e eu pude pegar quase
toda a verba porque nossas Unidades a dispensaram.
Infelizmente não dá para colocar tudo neste Balanço. Muito sofrimento, dor, suor, corpos enrijecidos, medo, saudade, frio, resgates e salvamentos, atos heróicos, pessoal capturado em exercícios, etc. Muita coisa ficou para trás. Uma reflexão. Tenho ouvido que a primeira Unidade a ser empregada será o Batalhão de Operações Especiais. Eu discordo veementemente. As primeiras unidades a serem empregadas são e serão sempre as unidades Recon, conforme a doutrina americana (cuja doutrina é seguida pelo nosso CFN), e que direcionou a formação das nossas Unidades. Iniciamos como um Núcleo da Primeira Divisão de Fuzileiros Navais. Uma Divisão de Fuzileiros Navais é composta por três Regimentos de Infantaria e demais apoios, aí incluído um Batalhão de Reconhecimento. O Brasil, pelas nossas dimensões continentais deveria ter duas Divisões de Fuzileiro Navais completas (uma segunda Divisão no Nordeste???). A formação de um Comando Anfíbio traz um grande embasamento para as operações de reconhecimento (como os demais cursos de saúde, de operações com aeronaves comunicações, operações em montanha e na selva, etc.). No entanto, quando um companheiro retornava do curso de COMANF, dizíamos para ele esquecer tudo e voltar ao comportamento Recon. O COMANF vai em grandes grupo barulhentos em sua maioria, rompendo a macega afora, com grande armamento pesado. O guerreiro Recon trabalha em grupos de no máximo quatro vigilantes, com pouco armamento de defesa individual, e tem que trabalhar com muito silêncio nos Postos de Vigilância, agüentando a solidão, agüentando picadas de insetos, rastejando pelas macegas, se locomovendo à noite, não pode usar fogueiras, fogos, nem aquecer a sua ração, porque ele trabalha sempre dentro do território inimigo. Muitos poucos agüentam esta situação. Fechando esta breve reflexão, espero que o Comando- Geral do Corpo de Fuzileiros Navais reveja a organização que retirou a Reconter da Divisão Anfíbia, e caso possível crie um Batalhão Recon; a Companhia isolada nunca irá atingir um estágio de excelência; a sua posição dentro de uma outra Unidade que não tem a ver com o seu emprego ( como no caso do Batalhão de Comando, onde tínhamos que encerrar o adestramento para realizar faxinas, marchas administrativas, paradas, mostras, etc.). O Batalhão Recon poderia permitir o emprego de viaturas blindadas para o reconhecimento de eixos, de aeronaves de observação não tripuladas, bem como a estrutura de apoio de um Batalhão para a guarda do equipamento, montagem e operação de Postos de Comando e acampamentos, serviços de Informações, operações, controle de material, rancho, etc. A Base construída na DivAnf pelos elementos Recon comandados pelo Comte José Jorge já está pronta! Encerrando, se me fosse permitido eu teria encerrado a minha atuação no Corpo de Fuzileiros Navais na Companhia de Operações Especiais de Reconhecimento (para a tristeza e desespero dos Comandantes Cosme, José Jorge, e todos os demais oficiais!!!!). Peço desculpas pelos erros. Esta mensagem está sendo enviada para todos os Guerreiros Recon, e para os meus amigos e colegas de turma.
Infelizmente não dá para colocar tudo neste Balanço. Muito sofrimento, dor, suor, corpos enrijecidos, medo, saudade, frio, resgates e salvamentos, atos heróicos, pessoal capturado em exercícios, etc. Muita coisa ficou para trás. Uma reflexão. Tenho ouvido que a primeira Unidade a ser empregada será o Batalhão de Operações Especiais. Eu discordo veementemente. As primeiras unidades a serem empregadas são e serão sempre as unidades Recon, conforme a doutrina americana (cuja doutrina é seguida pelo nosso CFN), e que direcionou a formação das nossas Unidades. Iniciamos como um Núcleo da Primeira Divisão de Fuzileiros Navais. Uma Divisão de Fuzileiros Navais é composta por três Regimentos de Infantaria e demais apoios, aí incluído um Batalhão de Reconhecimento. O Brasil, pelas nossas dimensões continentais deveria ter duas Divisões de Fuzileiro Navais completas (uma segunda Divisão no Nordeste???). A formação de um Comando Anfíbio traz um grande embasamento para as operações de reconhecimento (como os demais cursos de saúde, de operações com aeronaves comunicações, operações em montanha e na selva, etc.). No entanto, quando um companheiro retornava do curso de COMANF, dizíamos para ele esquecer tudo e voltar ao comportamento Recon. O COMANF vai em grandes grupo barulhentos em sua maioria, rompendo a macega afora, com grande armamento pesado. O guerreiro Recon trabalha em grupos de no máximo quatro vigilantes, com pouco armamento de defesa individual, e tem que trabalhar com muito silêncio nos Postos de Vigilância, agüentando a solidão, agüentando picadas de insetos, rastejando pelas macegas, se locomovendo à noite, não pode usar fogueiras, fogos, nem aquecer a sua ração, porque ele trabalha sempre dentro do território inimigo. Muitos poucos agüentam esta situação. Fechando esta breve reflexão, espero que o Comando- Geral do Corpo de Fuzileiros Navais reveja a organização que retirou a Reconter da Divisão Anfíbia, e caso possível crie um Batalhão Recon; a Companhia isolada nunca irá atingir um estágio de excelência; a sua posição dentro de uma outra Unidade que não tem a ver com o seu emprego ( como no caso do Batalhão de Comando, onde tínhamos que encerrar o adestramento para realizar faxinas, marchas administrativas, paradas, mostras, etc.). O Batalhão Recon poderia permitir o emprego de viaturas blindadas para o reconhecimento de eixos, de aeronaves de observação não tripuladas, bem como a estrutura de apoio de um Batalhão para a guarda do equipamento, montagem e operação de Postos de Comando e acampamentos, serviços de Informações, operações, controle de material, rancho, etc. A Base construída na DivAnf pelos elementos Recon comandados pelo Comte José Jorge já está pronta! Encerrando, se me fosse permitido eu teria encerrado a minha atuação no Corpo de Fuzileiros Navais na Companhia de Operações Especiais de Reconhecimento (para a tristeza e desespero dos Comandantes Cosme, José Jorge, e todos os demais oficiais!!!!). Peço desculpas pelos erros. Esta mensagem está sendo enviada para todos os Guerreiros Recon, e para os meus amigos e colegas de turma.
Tive o privilégio de servir com o Cmte lucio e posso garantir que realmente ele vivia em prol de sempre melhoria para a Cia.
ResponderExcluirÉ um excelente Cmte, assim como todos que passaram por lá, todos que também lá serviram eram excepcionais
Por onde anda o nosso querido chefe Lúcio
ResponderExcluir